sábado, junho 19, 2010

Corra que Napoleão vem aí

   
    Se atualmente, no cenário político mundial, o presidente Lula é o cara (ao menos foi o que disse Obama), no começo do século XIX esse posto era ocupado por Napoleão Bonaparte, que num espaço de tempo relativamente curto, passou a dominar não só a França, mas quase toda a Europa.

    Chamado de “Filho da Revolução”, Napoleão teve uma brilhante carreira no exército francês, e tornou-se general no auge de seus vinte e poucos anos. Foi ganhando prestígio e popularidade devido a boa seqüencia de vitórias contra as tropas russas e austríacas, que juntas combatiam a Revolução que literalmente guilhotinou o absolutismo. Além de ser um mau exemplo, era uma ameaça as demais monarquias européias.

    Devido ao seu sucesso militar, as tropas comandadas pelo “Filho da Revolução” conquistaram a península itálica e o Egito, Napoleão foi convidado para fazer parte do Diretório, órgão que ditava as ordens da França revolucionária. Mas esse homem de baixa estatura (1,67m) tinha pretensões megalomaníacas de tornar-se o soberano mais poderoso do mundo. Através de um golpe assumiu o poder contando com a simpatia do povo, que o via como um heroi, e obviamente o apoio dos militares. Sem falar na classe burguesa que o tinha como um líder.

     Bonaparte costumava dizer que era herdeiro de Carlos Magno, antigo imperador do Sacro Império, que tinha em suas posses grande parte do território europeu. Com isso saiu destronando monarcas. Derrubando dinastias que alguns anos atrás eram consideradas intocáveis. As tropas napoleônicas ocuparam as mais importantes cidades europeias, e o Imperador francês, a “máquina de derrubar reis”, colocava seus parentes nos tronos dos países conquistados. Em 1810, o Império Napoleônico tinha quase toda a parte ocidental da Europa sobre os seus domínios, com exceção da Inglaterra.

     Se por terra o exército francês era praticamente imbatível, os ingleses eram os donos do mar. A marinha britânica possuía 880 navios de combate, e como a Inglaterra é uma ilha, Napoleão para conquistar o seu território teria que enfrentá-la através de um confronto marítimo. O confronto entre as duas principais potências daquela época, de fato aconteceu. A marinha francesa com o objetivo de atracar em solo britânico pelo Canal da Mancha foi derrotada na épica Batalha de Tralfagar (1805).

     Após a derrota, o Soberano da França, que gostava de se referir a Inglaterra, chamando-a de “pequena ilha de pescadores”, nos dá em 1807, uma bela amostra de que esse desdém se tratava apenas de rivalidade, pois Napoleão sabia muito bem que a tal “ilha de pescadores” era um obstáculo as suas pretensões políticas e econômicas. Mas que amostra foi essa então? O Bloqueio Continental. Se não foi capaz de vencê-la através do confronto direto, faria isso arrasando-a comercialmente, proibindo qualquer nação europeia de manter relações diplomáticas e comerciais com os britânicos. E ai daquele que desobedecer as suas ordens.

    Longe desse agitado contexto estava o Brasil, uma terra de proporção continental, clima tropical e banhada pelo Oceano Atlântico, cujo seus pouquíssimos habitantes sequer imaginavam que todos esses acontecimentos que agitavam o Velho Continente, mudariam a história dessa colônia portuguesa, transformando-se numa nação independente.

     Em 1807, Portugal era governado por um príncipe regente, espécie de rei sem coroa, que era D. João. Muitos retratam o príncipe de maneira caricata. Feio, obeso, glutão, preguiçoso, sujo, mal vestido, medroso, inseguro e depressivo. Todos esses adjetivos se aplicam a D. João, que veio a ser o soberano de Portugal, apesar da pouca vocação, porque sua mãe, a rainha Maria I, havia enlouquecido e o seu irmão mais velho, e com isso herdeiro direto do trono, D. José, havia morrido de varíola.

     Quando D. João VI se deparou com as ordens napoleônicas a respeito do Bloqueio Continental, passou a enfrentar um medonho dilema. Portugal deveria decretar guerra contra a Inglaterra, fechar os portos para os navios britânicos, retirar o embaixador português de Londres e expulsar o embaixador inglês de Lisboa, além de confiscar os bens dos cidadãos ingleses que residiam em Portugal e deportá-los.

     Se não cumprisse todas as exigências, as tropas francesas invadiriam o país e poria fim a Dinastia Bragança. Mas do outro lado da força estava a Inglaterra, a “nação amiga” que historicamente era uma aliada dos lusitanos. Ademais, também era uma potência militar de meter medo. No dia 1 de Setembro de 1807, a Dinamarca, que acatou o Bloqueio, viu os navios britânicos aportarem na sua capital, Copenhague, e bombardearem a cidade por quatro dias.

    Diante disso, D. João VI adotou uma postura dúbia para ganhar tempo até chegar a uma decisão. Mandou um diplomata para relatar ao próprio Napoleão que agiria conforme as ordens do Imperador, exceto a parte do confisco de bens dos ingleses que viviam em Portugal. Mas Bonaparte não se deu por satisfeito: Ou o Príncipe Regente dançava no ritmo da melodia francesa ou iria sentir a fúria do exército mais poderoso do mundo.

    No dia 5 de Novembro daquele ano, o confisco aconteceu. Portugal declarou abertamente que estava em guerra contra os britânicos. Mas tudo não passava de um jogo de cartas marcadas. Por debaixo dos panos a coroa lusitana acertava com os ingleses, uma indenização que compensasse os prejuízos. Portugal e Inglaterra já estavam acertados. O plano seria uma fuga. Toda corte portuguesa, junto com o seu aparelho burocrático, embarcaria em direção ao Brasil escoltada por uma esquadra inglesa composta por sete mil homens, e comandada por Sir Sidney Smith, oficial experiente que lutou na Batalha de Tralfagar. Em troca, Portugal abriria os portos brasileiros para as mercadorias britânicas. Assim a Inglaterra compensaria a perda de mercado devido ao Bloqueio.

    No dia 29 de Novembro toda a corte parte de Lisboa em direção ao Rio de Janeiro (durante a viagem, por motivos até hoje não muito claros D. João VI muda a rota para desembarcar primeiramente em Salvador) numa viagem arriscada e repleta de infortúnios que duraria pouco mais de três meses.

    O mundo estava prestes a testemunhar algo inédito: Nunca um monarca europeu colocou os pés em uma de suas colônias. Em 22 de Janeiro de 1808, D. João VI chega a Salvador, e em 7 de Março ao Rio de Janeiro, que veio a se tornar sede do Reino de Portugal, Brasil e Algarves. Por aqui D. João VI reinou por treze anos, até ir embora em 1821, pressionado pela burguesia portuguesa que exigia a presença do seu rei (D. João deixa de ser príncipe e se torna rei após a morte de sua mãe).

    Durante todo esse tempo em que a corte de Portugal se estabeleceu no Rio de Janeiro, foi-se desenhando a nossa futura independência, como observa José Roberto Lopez: “A presença da Corte do príncipe regente D. João VI no Brasil criou condições concretas e objetivas para que a separação Brasil-Portugal se tornasse definitiva, assinalando o fim do sistema mercantilista, implantando diversas repartições administrativas novas e modernizando o Rio de Janeiro, conferindo-lhe a fisionomia de uma verdadeira capital, marco inicial na construção política da unidade nacional”.

    Vale ressaltar que a abertura dos portos fez com que o Brasil fosse invadido pelos produtos britânicos, acabando com o monopólio comercial (Pacto Colonial) que era o sustentáculo da exploração ibérica. Se não possuía mais a dominação econômica, não fazia sentido para Portugal permanecer com a dominação política. Travestido de liberalismo, o que de fato ocorreu foi a possessão inglesa da economia. Com D. João VI em Lisboa, foi mais fácil para o seu filho D. Pedro dar o grito de independência no dia 7 de Setembro de 1822, tornando-se o primeiro imperador do Brasil.

    Mas se a corte não tivesse fugido? Se o então príncipe regente decidisse enfrentar as tropas francesas? O que teria acontecido? Portugal teria claras chances de ganhar. Pois a tropa que chegou as terras lusitanas, um dia após a partida da corte, era composta em grande parte, por soldados jovens, e com isso inexperientes em batalha, e por soldados da legião estrangeira, não tão comprometidos com os ideais napoleônicos. A frente desses homens estava o General Junot, que tinha fama de não ser um bom estrategista.

    A tropa que tomou Lisboa, segundo o diário do próprio General Junot, era um bando de homens maltrapilhos, exaustos e famintos. Já com algumas baixas na infantaria e alguns canhões com defeito. Mas não podemos culpar D. João VI por ter fugido. Napoleão era mesmo uma figura mítica e assustadora. É tanto, que na época costumava-se amedrontar as crianças dizendo coisas do tipo: “Napoleão vem aí” ou “Napoleão vai te pegar”.

    Mesmo tendo ficado para a história como um monarca inseguro, e podemos dizer até patético, D. João VI teve seus méritos. Num contexto em que vários soberanos foram destronados, ele viveu e morreu como um rei. Pouco antes de falecer, exilado na ilha de Santa Helena, Napoleão Bonaparte deixa registrado para as gerações posteriores qual o seu pensamento em relação ao rei de Portugal e do Brasil: “Foi o único que me enganou”.

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