sexta-feira, dezembro 17, 2010

O lado feio da Belle Époque


    A Belle Époque é uma expressão francesa que identifica o período de avanços tecnológicos vistos pelos europeus após a Segunda Revolução Industrial, por volta de 1860-1870 e que durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. Nunca a humanidade tinha visto tantas inovações. O jeito de enxergar o mundo estava mudado, estava cada vez mais acelerado. Se antes as pessoas esperavam meio século para ver algo inovador, em poucos anos viram surgir a eletricidade, o automóvel, o avião, o cinema,o rádio, a televisão, uma variedade de eletrodomésticos, o telefone, o tenciometro, o estetoscópio, a anestesia, a penicilina e sobre tudo a coca-cola.

    O progresso havia chegado graças ao sistema Capitalista. Porém apenas a burguesia podia desfrutar de tanta novidade. Isso porque a novidade custa os olhos da cara. Logo as cidades do mundo todo iriam se reestruturar e se adequar ao estilo de vida da burguesia, que ganharia as ruas. As cidades, que até então não passavam de aglomerados fedidos e sujos estavam sendo planejadas para que a elite capitalista pudesse gozar de sua boa vida sem ser perturbada pelos “mulambados” por eles mesmos produzidos. Paris foi então o modelo de cidade burguesa a ser imitado. Suas largas avenidas, seus cafés e seus automóveis. Tudo em Paris era considerado de primeira e digno de cópia.

    No Brasil, os primeiros anos da República tentam transplantar os hábitos da burguesia francesa. Era comum ver lojas com nomes franceses e pessoas se cumprimentando nas ruas com a saudação “Vive La France!”. A Belle Epóque tupiniquim tinha as cidades do Rio de Janeiro, Belém e Fortaleza como sendo as mais bonitas, entenda-se mais “afrancesadas”, do país. E para que esse padrão fosse mantido, os pobres deveriam ser expulsos dos centros urbanos. No Rio de Janeiro, os cortiços foram demolidos, fazendo com que seus moradores, ex-escravos e seus descendentes principalmente, subissem o morro e dessem origem as favelas. Ignorados pelo poder público, essas pessoas viviam na mais absoluta precariedade. Mas tudo isso era válido desde que a elite pudesse trafegar no bonde elétrico e caminhar pelo Passeio Público.

    No Ceará, as medidas para afastar os “miseráveis” do centro de Fortaleza foram muito mais extremas. O objetivo era muito claro: evitar que os flagelados, vítimas da seca de 1915, chegassem até a capital cearense, trazendo “o caos”. Aquela seca ficou famosa por ser retratada na obra “O Quinze” de Rachel de Queirós. Segundo historiadores, em média, 100 mil pessoas foram vítimas e mais de 250 mil teriam migrado para escapar da fome. O governo Federal e Estadual então criaram o chamado Campo de Concentração do Alagadiço (esse era o nome oficial, mas também era freqüentemente chamado de Curral dos Flagelados) para deter os retirantes. O Campo chegou a abrigar 8 mil pessoas, que lá recebiam a “ração” e eram severamente vigiados, não podendo sair.

    As condições do Campo do Alagadiço eram tão horripilantes que o índice de morte diária chegou ao número de 150. Sentia-se o cheiro de podre no ar. Só então, devido a esse contingente absurdo de mortes é que o governo cearense ordenou a dispersão dos flagelados no dia 18 de Dezembro daquele mesmo ano. Mas o ano de 1915 foi apenas um ensaio para a política de segregação. Em 1932, em plena Era Vargas, o mesmo sistema foi implantado e o Campo de Concentração do Crato chegou a receber 65 mil pessoas. Fora ele também haviam “os currais” em Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús, Ipu, Quixadá e o último nos arredores de Fortaleza.

    Esse é o lado feio e sombrio da Belle Époque, que como sempre, é omitido dos livros e das escolas. O ingresso de Fortaleza na Bela Época, que se encheu de sobrados e palacetes custou a milhares de pessoas um destino trágico. Mesmo não tendo nenhuma ligação com os campos nazistas, que só viriam a existir décadas posteriores, os campos cearenses também fazem parte da História de uma forma negativa e vergonhosa. Fica óbvio a capacidade humana de destruir a si próprio em nome do progresso. Estamos mesmos dispostos a pagar esse preço? Se alguém ainda diz “não”, então temos alguma chance nesse mundo.

Um comentário:

  1. Essas histórias são omitidas para que o povo não veja o quanto já sofreu nas mãos da elite...Eita humanidade suja!

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