sábado, março 02, 2013

Quatro Homens e Uma Jangada



Muitos fatos de nossa História não estão presentes nos livros didáticos. São várias narrativas interessantes, proezas populares que se não fosse a tradição oral e o regionalismo historiográfico, ficariam esquecidas. Essa semana me deparei com um feito de 4 jangadeiros cearenses que de tão notável, chamou a atenção de um grande nome da industria cinematográfica. Ninguém mais, ninguém menos que Orson Wells.

Com todo o burburinho causado pela foto do craque santista e da seleção brasileira, Neymar, estar estampada na capa da revista Time. Descubro que um artigo da mesma revista, conta em detalhes a saga de Manoel Olímpio Meira (Jacaré), Raimundo Correia Lima (Tatá), Manoel Pereira da Silva (Mané Preto) e Jerônimo André de Souza (Mestre Jerônimo).  Esses homens partiram da atual Praia de Iracema-CE, na época chamada do Peixe, com destino ao Rio de Janeiro. A partida se deu no dia 14 de Setembro de 1941, chegando à Cidade Maravilhosa, que na época era a Capital Federal, dois meses depois.

Os 2381 km percorridos em cima de uma jangada tinha uma finalidade política. Queriam chamar a atenção das autoridades para o estado de abandono e miséria no qual viviam os aproximadamente 35 mil pescadores do Ceará. O presidente Vargas, tão elogiado pela consolidação das Leis Trabalhistas, precisava ver que a tal CLT não era tão abrangente assim. Homenageados e desfilando em carro aberto, tendo a jangada batizada com o nome de São Pedro, foram vigiados para não alinharem a sua imagem e reivindicação aos Comunistas.

O Estado-Novo, apesar de ser uma ditadura ao molde facista, estava em pleno alinhamento com os Estados Unidos, por isso a “ameaça vermelha” também devia ser combatida em solo brasileiro. Mas controlados pela mídia e transformados em ícones pop, os jangadeiros causaram mais frisson ainda no céu retorno a Fortaleza-CE, quando um cortejo de 150 automóveis exibiam os heróis, que ganharam notoriedade internacional e até participaram de um filme dirigido pelo premiadíssimo roteirista, produtor, diretor e ator Orson Wells, de Cidadão Kane, apontados por muitos cinéfilos como o maior filme de todos os tempos.

A história de Wells se cruza com a dos jangadeiros quando o mesmo se deparou com o já citado artigo da Time. O cineasta foi contratado pelo presidente Roosevelt com a missão de fazer um filme exaltando o “pan-americanismo”. Wells já havia filmado o carnaval carioca e a saga de Jacaré e Cia dava pra ser contada na telona, sendo o segundo episódio de It’s  All True. Além da reconstrução da odisseia marítima, os quatro foram para Copacabana-RJ e participaram também do episódio 1, lançados no carnaval carioca e contracenando com Grande Otelo, um dos principais nomes de nossa dramaturgia.

Todas as tomadas foram gravadas no Rio, em uma delas, um acidente lançou todos ao mar, sendo que Jacaré, exímio nadador, foi arrastado pelas ondas e nunca mais teve seu corpo encontrado. Apesar dessa tragédia, as filmagens seguiram, e o irmão de Jacaré, Isidro, foi convocado para substituí-lo durante as gravações. Embora tenha filmado tudo, por motivos políticos It’s All True ficou inacabado. Outra coisa inacabada é a luta dos pescadores, que até hoje tem benefícios tais como aposentadoria e auxílio-doença, obtidos com extrema dificuldade e demora. E isso quando são contemplados! 

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