“Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma
lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: Procuro Deus!
Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em
Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido?
Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse um outro. Está se
escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam
uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os
com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós os
matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos!”
Nietzsche escreveu esse aforismo
(o de número 125 da obra Gaia Ciência) e foi execrado por muitos, por ter
proferido a sentença de que Deus havia morrido. Todavia, o filósofo não
reclamou o status quo de “assassino
da divindade”. Nietzsche acusa a dialética socrática, que não enxerga nenhuma
pureza além da racionalidade. Acusa também a ciência moderna, com sua sede em
emancipar a humanidade. Por fim a institucionalização da fé, que aprisiona
Deus, fazendo com que as igrejas se tornem mausoléus, tal como diz uma canção
do poeta e violeiro João Alexandre: “A morte se esconde atrás dos templos.”
Dentre todos os acusados, há
aqueles que confessam o crime sem remorso algum, chegam a vangloriar-se de tal
feito, ao contrário de outros, que mesmo com “resquícios de pólvora” nas mãos,
negam ter participação nesse homicídio. São hipócritas! Esses, os que negam, na
verdade são os que mataram com maior requinte de crueldade. Traidores, que falam
em nome de Deus, e por trás o apunhalam. E fazem isso sempre que recorrem ao
extremismo dogmático. É o extremo a arma que feriu o Divino.
Não importa se é destro ou
canhoto. O posicionamento que leva ao discurso e/ou atitudes extremas é uma
guilhotina. E como temos visto tais posicionamentos. Atualmente, todos emitem suas
opiniões e mesmo sem compreenderem muito bem, se metem a proferir homilias nas
quais a discordância gera ódio e uma série de acusações. O intolerante alega intolerância
do seu vizinho e ambos desrespeitando-se mutuamente acabam por finalizar mais um
debate, apontando a arma para Deus, dando-lhe um “tiro no peito.”
O desequilíbrio entre os homens e
a natureza, causada pelo afastamento do emocional e a aproximação da extrema
razão (Dionísio separado de Apolo num contexto niilista) é a “causa mortis” que
destrói a vida e gera o vazio no qual Dostoievski soube expressar muito bem
através de uma de suas personagens do clássico Os Irmãos Karamazov: “Se Deus está
morto, então tudo é permitido.” E essa aterradora realidade, na qual predomina
o caos, foi uma escolha humana. Foi tudo
feito “de caso pensado.”
Hoje, ainda há quem procure por
Deus e acredite que Ele esteja vivo. Como na música do Palavrantiga que diz: “Deus
onde estás? Te procuro. Te procuraria no beco ou nessa rua.” Seus supostos assassinos estão apreensivos.
Pois se o Deus que eles “mataram com suas próprias mãos” ainda vive, então a Razão
entrará em colapso e passará o cetro para o Paradoxo.Se ouvirá então um som do coro
de São Paulo aos coríntios: “Onde está, ó morte, a tua vitória?”
#EleVive!
ResponderExcluir