sexta-feira, fevereiro 14, 2014

A Pastoral da Liberdade e o Caso Tinga



"O escravo não é filho do seu proprietário; não trabalha porque o ama nem porque quer ser generoso, trabalhando para ele como uma besta, sem obter recompensa de espécie alguma do seu trabalho: o escravo só trabalha porque teme as ameaças de pancadas e castigos desumanos da parte de um roubador da liberdade alheia! O senhor que procede desse modo é inimigo de Cristo: não pode ser membro da Igreja de Jesus, daquele Jesus que nos resgatou da maldição (Gl. 3.13) e da lei do pecado e da morte (Rm. 8.2) e nos deu a liberdade, fazendo-nos FILHOS DE DEUS (Rm. 8.15-16)."

Essa fala do Pastor Robert Kalley em Assembleia da Igreja Evangélica Fluminense,defendendo a posse de escravos como uma postura não-cristã, conduz os demais irmãos da igreja a proibirem escravocratas de serem membros, pois os mesmos são ladrões da "liberdade alheia". 

Numa outra sessão em 20 de Dezembro de 1865, João Severo de Carvalho apresentou documentos de alforria a seus 2 escravos. Já Bernadino de Oliveira Rameiro foi excluído da congregação por não acatar admoestação bíblica, isto é, continuou tendo escravos como seu patrimônio. Esses fatos ocorreram 23 anos antes da Lei Áurea.

O que aconteceu com o Tinga, numa partida realizada pela Copa Libertadores no Peru é inadmissível e o cristianismo de segmento protestante sempre teve seus baluartes em defesa da igualdade étnica. O Pr. Kalley, pioneiro no protestantismo de missão em terras luso-brasileiras começou seu trabalho com uma Escola Bíblica para crianças e negros, juntamente com a sua esposa Sarah. Suas palavras proferidas em assembleia ficaram conhecidas como sendo a "pastoral da liberdade", todavia, o argumento usado para defesa da liberdade foi a igualdade.

Muitos se omitiram e até contribuíram para a manutenção do modo de produção escravagista que sequestrava os africanos de seus berços para que trabalhassem na outra margem do Atlântico, todavia, um pequeno grupo de cristãos esbravejou contrário a esse sistema opressor e desumano. A pastoral de Robert Kalley é a pastoral da igualdade. É uma sentença bíblica contra a coisificação do ser criado à imagem e semelhança do Criador. É um grito de poucos corajosos, mas é um grito de relevância na história da cristandade, tão manchada pela frieza da institucionalização e torpeza dos religiosos.

Outro expoente dessa luta foi o pastor batista norte-americano Martin Luther King, principal líder negro do movimento que aboliu as leis segragacionistas. Em um dos seus discursos mais famosos falou:

"Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. 

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!"

O sonho, assim como a luta ainda continuam. Que o Cristo resplandeça nos corações racistas para que não mais menosprezem o negro, o índio, o nordestino ou quem quer que seja. Somos todos iguais perante Deus e perante os homens. E que o bom Deus conforte o Tinga e sua família que foram afetados com esse lamentável episódio.

10 comentários:

  1. "o cristianismo de segmento protestante sempre teve seus baluartes em defesa da igualdade étnica"
    essa frase é bastante questionável.

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    1. Contra fatos não há argumentos...uma frase de efeito, mas que faz sentido aqui. O próprio Kalley citado no texto foi um. Na Inglaterra e nos EUA tivemos vários outros exemplos. A frase não pode ser questionada. Talvez o que vc queira afirmar é que muitos outros protestantes foram a favor da escravidão. Isso sem dúvida! No texto deixo claro que o grito de Kalley foi um grito de poucos. Todavia, comparando a militância pró-abolição entre católicos e protestantes, vemos que a segunda é numericamente superior. Abraço!

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  2. ainda bem que vc sabe que contra fatos não há argumentos. então vamos aos fatos: Os ingleses foram os maiores traficantes de negros, os holandeses tbm compactuavam com essa prática. King lutou contra os protestantes racistas do sul dos EUA. sem contar com os protestantes que apoiaram o regime nazista na Alemanha. sendo assim, os fatos mostram que não é verdade que "o cristianismo de segmento protestante sempre teve seus baluartes em defesa da igualdade ética". na realidade a história mostra que somos uma grande "porcaria", o que nos salva é a intervenção divina através de seu espirito santo. todos os homens que vc citou em seu texto foram iluminados, ou melhor, usados por deus para promover tais atitudes. só mais um detalhe, comentei esse post pois percebi q vc, assim como eu, não concorda com a segregação racial, logo aproveitei a deixa pra tentar expor que segregação é ruim em toda e qualquer aplicação inclusive a segregação religiosa.

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    1. Meu amigo, torno a dizer: o exemplo citado do Pastor Kalley mostra que houveram homens que defenderam sim a abolição e eram estes protestantes. isso não se questiona. Já havia mencionado acima que foi um grito de poucos e que a maioria se omitiu e promoveu o regime escravocrata. Não faço segregação religiosa, ela já existe e não fui eu quem criei. É histórica. E dentro da historiografia tratei da militância cristã abolicionista que foi numericamente superior no segmento protestante. E fui num exemplo da história nacional. O que vc diz é fato e o que eu digo e tá no texto também é. Os dois fatos não se contrapõem, são complementares. Abraço!

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    2. o que eu fiz questão de chamar a sua atenção para uma frase que irei considerar ingênua, para não usar um termos mais forte, a saber:
      "o cristianismo de segmento protestante sempre teve seus baluartes em defesa da igualdade ética"
      mas se vc considera que os protestantes são mais éticos que os católicos tudo bem, toda via eu considero todos "farinha do mesmo saco."
      PS: reflita sobre o que os ingleses(protestantes) fizeram com a índia e, observe também o que madre teresa(missão católica) fez na índia. olha o que aconteceu na africa do sul. espero que concordes que é uma furada elencar os mais eticamente dotados.

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  3. Bom, parece que falar de Cristianismo, em si, não tem algo de intrinsecamente bom, talvez fosse melhor falarmos de Cristo. Idiossincrasias à parte, é inadmissível esse tipo de comportamento e, venho por meio desde, principalmente chamar atenção para um fato: é incrível como no Brasil o racista é sempre o "outro". O caso Tinga tomou tal proporção, obviamente por se tratar de um jogador de futebol de renome, conhecido internacionalmente, mas, primcipalmente, por se tratar do "outro". É impressionante como ainda não superamos o conceito falacioso de que vivemos em uma Democracia Racial e que coexistimos numa atmosfera de gentilezas com o diferente. Se não passarmos a nos reconhecer como racistas, dificilmente alcançaremos a igualdade mencionada no texto. É triste...

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    1. Discordo que no Cristianismo não tenha algo intrinsecamente bom. Há diversas contribuições do Cristianismo, mas logicamente há os erros absurdos de uma Igreja que em alguns momentos promove o Reino e em outros macula. Como você colocou muito bem, é preciso reconhecer nosso racismo, nosso pecado, nossa miserabilidade e reconhecer que o que houve de mal na Cristandade foi um produto meramente humano. O que houve de bom, como o caso acima citado, da Igreja Evangélica Fluminense, foi a iluminação do Cristo vivo que é o verdadeiro Senhor da Igreja e sempre deixa o remanescente profético para gritar contra a idolatria, a imoralidade e a injustiça. Abraço ao casal!!!

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  4. Posso ter me expressado mal... O que quis dizer é que a palavra em si não tem algo intrinsecamente bom, como a palavra "amor", por exemplo, que em outras línguas pode ser "love", "amour", etc. Grosso modo: Martin Luther King e John Piper (que confessou ser um "ex-racista") são exemplos de "cristãos", a Santa Inquisição queimou milhares de pessoas em nome do Cristianismo. O termo em si, não contém intrinsecamente nada de bom o que o torna bom ou não é o que seus representantes fazem com o termo e, já que temos alguns maus exemplos, sugeri que o melhor é falarmos de Cristo, pois este nunca deu um mau exemplo.

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